Painel 23 – Exposição nas redes sociais desafia operadores do Direito das Famílias

A família do século 21, seus novos desafios, liberdade de expressão e impacto das tecnologias nas relações afetivas foram os assuntos que permearam os debates do Painel 23 da 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, que teve como temática central o “Direito das Famílias”. “O acesso à internet mudou as relações, porque nos aproximamos de pessoas com quem sequer temos proximidade e desenvolvemos relações virtuais com pessoas desconhecidas, com quem o contato real jamais se consuma”, sustentou a secretária-geral do CFOAB, Sayury Otoni. 

A mesa, realizada nesta terça-feira (28/11), foi presidida pela secretária da Comissão Especial de Direito de Família e conselheira Federal de Mato Grosso, Mara Yane Barros Samaniego, tendo a conselheira federal de Alagoas e secretária-adjunta da Comissão Especial de Direito de Família, Rachel Cabus Moreira como relatora e o conselheiro federal de Minas Gerais Sergio Murilo Diniz Braga, no secretariado.

“A complexidade dos entraves familiares, no universo digital, apresenta uma concepção diferenciada e prolongada no tempo”, pontuou Mara Yane. Mas neste novo mundo, o afeto e a peculiaridade do trato contínuo das relações tecem um pano de fundo igualmente abastado de atritos, os quais podem culminar em processos judiciais e desafiam a elaboração de soluções equilibradas. “É o caso do ‘sharenting’, que é a exposição de crianças e adolescentes por seus pais ou detentores de seus cuidados”, explica a pesquisadora do CONREP/UFPE, Luciana Brasileiro. “Menores e até idosos, que não têm sequer capacidade de dar seus consentimentos, estão monetizando e alimento os algoritmos de ‘big techs’. E isso vira um grande problema, uma demanda, quando há um conflito familiar”, acrescentou a especialista.

Luciana ainda chamou atenção para a hipervulnerabilidade dos idosos que, em muitos casos, nem sabem como se manuseia um smartphone. Ainda segundo o debate, além do “sharenting” e suas consequências, foram destacados os temas sobre a indenização por uso exclusivo de imóvel comum do casal e suas exceções, na visão do STJ; os pactos no direito de família e suas limitações, além da aplicação da guarda compartilhada – compulsória nos casos de violência doméstica e familiar PL 29/20.

“Realmente, a família do século 21 está desamparada em vários sentidos e para advogar neste novo Direito das Famílias, é preciso escuta e mais do que isso: uma escuta amorosa”, defendeu o presidente nacional do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira. “Eu diria que, hoje, é preciso transformar o escritório em uma espécie de ‘Clínica de Direito’, porque ninguém imaginava as transformações que estamos vivenciando. Ninguém imaginava que a união homoafetiva seria rotineira, da mesma maneira que ainda não temos uma solução legal para a multiconjugalidade, muito menos a falta de conjugalidade, manifesta nos ‘casais’ que querem ter filhos sem terem qualquer tipo de relacionamento entre os pares”, destacou Pereira.

O painel também abordou questões aparentemente antigas, que também ganham novos matizes no Direito das Famílias do século 21, como é o caso das indenizações por uso exclusivo de imóvel comum, por apenas um dos ex-consortes. “É um desdobramento da ordem patrimonial que abre novas possibilidades para quem se separa, mas ainda não última a partilha. Nesse tipo de ocorrência, é importante lembrar que não é a separação do casal que põe fim à mancomunhão, até porque o divórcio pode ser deferido antes mesmo da partilha”, sublinha a conselheira federal do Ceará e presidente da Comissão Especial de Direito de Família, Vládia Feitosa. “Daí, surge a possibilidade de ser compensar financeiramente um dos ex-cônjuges, trazendo um novo desafio: o de conter o abuso”, afirma ela.

De acordo com ela, nem todo uso exclusivo é ilegítimo, como, por exemplo, diante a hipervulnerabilidade de uma das partes – nominalmente, quando há crianças, deficientes, idosos e mulheres vítimas de violência. “A mais recente decisão do STJ tem fundamento no enriquecimento ilícito e, esta interpretação, a terceira de uma sequência, parece a mais acertada”, comenta Vládia.

A secretária-geral do CFOAB, Sayury Otoni, retomou o tema da digitalização e trouxe um debate que capturou os presentes, nesta tarde: a infidelidade virtual. “Hoje, nos perguntamos se a infidelidade que permanece virtualizada, sem alcançar o campo físico, fere o dever do casamento – de respeito e fidelidade recíproca. Porque não há como negar que o Direito, neste ponto, controla as pulsões, mas descobrimos, nestes tempos líquidos, que a fidelidade vem se tornando algo desimportante e que, neste sentido, há que se avançar com a moralidade. O Direito só pode agir sobre o que se faz, aquilo que efetivamente acontece, mas o casamento não subtrai nossa esfera íntima e a individualidade ganhou novas formas de expressão, com as redes sociais”, ponderou Sayury.

E por falar em redes sociais, a presidente da Comissão de Família e Sucessões da OAB-SP, Silvia Marzagão, falou sobre a espetacularização dos conflitos familiares como expressão da ausência de hierarquia e compartilhamento da responsabilidade parental. “Este fenômeno nasce das sensações de impotência e ausência de soluções vindas do Judiciário, até porque estas soluções não apaziguam a relação, surgindo as redes sociais como palco para ressentimentos e a exposição da violência doméstica, por exemplo”, afirmou Silvia. “E não são apenas os pais que estão se divorciando que ferem o sigilo processual, mas até mesmo advogados. Portanto, o profissional do Direito deve se ater a isso, porque este tipo de exposição é uma estratégia de comunicação desastrosa, que só gera lucro para as ‘big techs’ das mídias sociais”, alertou.

Retornando ao mundo físico ou à boa e velha realidade fática, o advogado e coordenador da pós-graduação em Direito de Família e Sucessões da FMP, Conrado Paulino da Rosa, propõe a pactuação pós-nupcial como uma nova forma administrar a união. “Sabemos que, na nossa sociedade, nem o pacto antenupcial e nem os contratos de convivência expressam uma cultura preventiva que, a bem da verdade, é inexistente. A visão comum é que ninguém que está apaixonado precisa de um advogado e o casal só percebe que existem afetos permitidos e outros, proibidos, no momento do divórcio, quando há intervenção do estado por meio da sentença de um juiz. Cláusulas extrapatrimoniais podem, sim, ser tratadas, sem que se fira direitos de criança ou ultrapasse o que é vedado para preservação da dignidade da pessoa humana”, defende Conrado.

Encerrando o painel, a advogada Cláudia Paranaguá comentou a aplicação da guarda compartilhada compulsória, uma possibilidade recente em nosso ordenamento. “Pessoalmente, penso que a guarda deveria ser ‘customizada’, porque cada família tem suas características específicas. A nova legislação ainda é muito recente e a verdade é que ainda estamos em um período de adaptação, mas a expectativa é que ela coíba a violência doméstica”, avaliou Cláudia. “É importante sublinhar que a guarda é um verdadeiro cavalo de batalha nas varas de família e os pais devem ser orientados em sentido contrário, no de preservação dos filhos. Notamos que ainda há uma divisão de papéis machista muito arraigada na sociedade”.

 

A família do século 21, seus novos desafios, liberdade de expressão e impacto das tecnologias nas relações afetivas foram os assuntos que permearam os debates do Painel 23 da 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, que teve como temática central o “Direito das Famílias”. “O acesso à internet mudou as relações, porque nos aproximamos de pessoas com quem sequer temos proximidade e desenvolvemos relações virtuais com pessoas desconhecidas, com quem o contato real jamais se consuma”, sustentou a secretária-geral do CFOAB, Sayury Otoni. A mesa, realizada nesta terça-feira (28/11), foi presidida pela secretária da Comissão Especial de Direito de Família e conselheira Federal de Mato Grosso, Mara Yane Barros Samaniego, tendo a conselheira federal de Alagoas e secretária-adjunta da Comissão Especial de Direito de Família, Rachel Cabus Moreira como relatora e o conselheiro federal de Minas Gerais Sergio Murilo Diniz Braga, no secretariado.“A complexidade dos entraves familiares, no universo digital, apresenta uma concepção diferenciada e prolongada no tempo”, pontuou Mara Yane. Mas neste novo mundo, o afeto e a peculiaridade do trato contínuo das relações tecem um pano de fundo igualmente abastado de atritos, os quais podem culminar em processos judiciais e desafiam a elaboração de soluções equilibradas. “É o caso do ‘sharenting’, que é a exposição de crianças e adolescentes por seus pais ou detentores de seus cuidados”, explica a pesquisadora do CONREP/UFPE, Luciana Brasileiro. “Menores e até idosos, que não têm sequer capacidade de dar seus consentimentos, estão monetizando e alimento os algoritmos de ‘big techs’. E isso vira um grande problema, uma demanda, quando há um conflito familiar”, acrescentou a especialista.Luciana ainda chamou atenção para a hipervulnerabilidade dos idosos que, em muitos casos, nem sabem como se manuseia um smartphone. Ainda segundo o debate, além do “sharenting” e suas consequências, foram destacados os temas sobre a indenização por uso exclusivo de imóvel comum do casal e suas exceções, na visão do STJ; os pactos no direito de família e suas limitações, além da aplicação da guarda compartilhada – compulsória nos casos de violência doméstica e familiar PL 29/20.“Realmente, a família do século 21 está desamparada em vários sentidos e para advogar neste novo Direito das Famílias, é preciso escuta e mais do que isso: uma escuta amorosa”, defendeu o presidente nacional do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira. “Eu diria que, hoje, é preciso transformar o escritório em uma espécie de ‘Clínica de Direito’, porque ninguém imaginava as transformações que estamos vivenciando. Ninguém imaginava que a união homoafetiva seria rotineira, da mesma maneira que ainda não temos uma solução legal para a multiconjugalidade, muito menos a falta de conjugalidade, manifesta nos ‘casais’ que querem ter filhos sem terem qualquer tipo de relacionamento entre os pares”, destacou Pereira.O painel também abordou questões aparentemente antigas, que também ganham novos matizes no Direito das Famílias do século 21, como é o caso das indenizações por uso exclusivo de imóvel comum, por apenas um dos ex-consortes. “É um desdobramento da ordem patrimonial que abre novas possibilidades para quem se separa, mas ainda não última a partilha. Nesse tipo de ocorrência, é importante lembrar que não é a separação do casal que põe fim à mancomunhão, até porque o divórcio pode ser deferido antes mesmo da partilha”, sublinha a conselheira federal do Ceará e presidente da Comissão Especial de Direito de Família, Vládia Feitosa. “Daí, surge a possibilidade de ser compensar financeiramente um dos ex-cônjuges, trazendo um novo desafio: o de conter o abuso”, afirma ela.De acordo com ela, nem todo uso exclusivo é ilegítimo, como, por exemplo, diante a hipervulnerabilidade de uma das partes – nominalmente, quando há crianças, deficientes, idosos e mulheres vítimas de violência. “A mais recente decisão do STJ tem fundamento no enriquecimento ilícito e, esta interpretação, a terceira de uma sequência, parece a mais acertada”, comenta Vládia.A secretária-geral do CFOAB, Sayury Otoni, retomou o tema da digitalização e trouxe um debate que capturou os presentes, nesta tarde: a infidelidade virtual. “Hoje, nos perguntamos se a infidelidade que permanece virtualizada, sem alcançar o campo físico, fere o dever do casamento – de respeito e fidelidade recíproca. Porque não há como negar que o Direito, neste ponto, controla as pulsões, mas descobrimos, nestes tempos líquidos, que a fidelidade vem se tornando algo desimportante e que, neste sentido, há que se avançar com a moralidade. O Direito só pode agir sobre o que se faz, aquilo que efetivamente acontece, mas o casamento não subtrai nossa esfera íntima e a individualidade ganhou novas formas de expressão, com as redes sociais”, ponderou Sayury.E por falar em redes sociais, a presidente da Comissão de Família e Sucessões da OAB-SP, Silvia Marzagão, falou sobre a espetacularização dos conflitos familiares como expressão da ausência de hierarquia e compartilhamento da responsabilidade parental. “Este fenômeno nasce das sensações de impotência e ausência de soluções vindas do Judiciário, até porque estas soluções não apaziguam a relação, surgindo as redes sociais como palco para ressentimentos e a exposição da violência doméstica, por exemplo”, afirmou Silvia. “E não são apenas os pais que estão se divorciando que ferem o sigilo processual, mas até mesmo advogados. Portanto, o profissional do Direito deve se ater a isso, porque este tipo de exposição é uma estratégia de comunicação desastrosa, que só gera lucro para as ‘big techs’ das mídias sociais”, alertou.Retornando ao mundo físico ou à boa e velha realidade fática, o advogado e coordenador da pós-graduação em Direito de Família e Sucessões da FMP, Conrado Paulino da Rosa, propõe a pactuação pós-nupcial como uma nova forma administrar a união. “Sabemos que, na nossa sociedade, nem o pacto antenupcial e nem os contratos de convivência expressam uma cultura preventiva que, a bem da verdade, é inexistente. A visão comum é que ninguém que está apaixonado precisa de um advogado e o casal só percebe que existem afetos permitidos e outros, proibidos, no momento do divórcio, quando há intervenção do estado por meio da sentença de um juiz. Cláusulas extrapatrimoniais podem, sim, ser tratadas, sem que se fira direitos de criança ou ultrapasse o que é vedado para preservação da dignidade da pessoa humana”, defende Conrado.Encerrando o painel, a advogada Cláudia Paranaguá comentou a aplicação da guarda compartilhada compulsória, uma possibilidade recente em nosso ordenamento. “Pessoalmente, penso que a guarda deveria ser ‘customizada’, porque cada família tem suas características específicas. A nova legislação ainda é muito recente e a verdade é que ainda estamos em um período de adaptação, mas a expectativa é que ela coíba a violência doméstica”, avaliou Cláudia. “É importante sublinhar que a guarda é um verdadeiro cavalo de batalha nas varas de família e os pais devem ser orientados em sentido contrário, no de preservação dos filhos. Notamos que ainda há uma divisão de papéis machista muito arraigada na sociedade”. 

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